A confirmação de que a Estação Primeira de Mangueira vai levar à avenida em 2026 o enredo “Mestre Sacaca: Do Encanto Tucuju – O Guardião da Amazônia Negra” representa, sob diversos ângulos – cultural, turístico e econômico –, um momento singular para o estado do Amapá. Através da figura do amapaense Raimundo dos Santos Souza, conhecido como Mestre Sacaca, a escola carioca propõe retratar saberes tradicionais, ancestralidade afro-indígena e identidade amazônica, colocando o Amapá sob holofotes nacionais em pleno Carnaval carioca.
Do ponto de vista cultural, a homenagem é de grande magnitude. Mestre Sacaca, nascido em Macapá em 1926, destacava-se por sua prática da medicina tradicional, por tocar caixa de marabaixo e por assumir papel central na cultura afro-amapaense como preservador de saberes populares.
A manifestação do marabaixo, por sua vez, expressão cultural afro-amapaense de dança, canto e percussão, já reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial, aparece agora como parte integrante desse enredo. A interseção entre samba carioca e os ritmos do Amapá — a fusão sonora entre escola de samba, navio cultural e floresta amazônica — simboliza um movimento de integração cultural que pode reverberar não apenas na avenida, mas nas comunidades envolvidas.
Sob a perspectiva do turismo, o enredo abre novas oportunidades de visibilidade para o Amapá como destino. A presença da Mangueira no Amapá, com pesquisa in loco e envolvimento de artistas locais e indígenas da Coletiva Waçawara, mostra que a região será diretamente envolvida no processo criativo. Essa visibilidade pode gerar fluxo turístico de quem deseja conhecer os locais retratados, como o Museu Sacaca em Macapá ou comunidades tradicionais que participam da cultura do marabaixo, além de atrair olhares para roteiros de natureza, ecoturismo e cultura amazônica. Recentemente, o estado já recebeu turistas internacionais de cruzeiros que visitaram esses atrativos culturais.
Economicamente, o impacto vai além do turismo receptivo. O enredo permite alavancar produtos culturais, artesanatos, gastronomia local e serviços que se beneficiam da exposição nacional. A cadeia produtiva do turismo ganha impulso, mas também há ganhos para pequenos empreendedores, comunidades quilombolas e povos tradicionais que poderão ver seus saberes valorizados e comercializados. Para o município e o estado, isso representa uma chance de aumentar receita com turismo, gerar emprego local e fortalecer economia criativa ligada à cultura. Porém, é preciso destacar que este tipo de oportunidade exige planejamento e infraestrutura: transporte, hospedagem, serviços de visitantes, guias locais e oferta de experiências autênticas. Sem isso, o impacto pode permanecer simbólico.
Há também uma dimensão de política pública e gestão. A participação dos agentes culturais do Amapá no processo da Mangueira – com apoio do governo estadual e da Secretaria de Cultura – sinaliza uma articulação que pode se estender para fortalecimento das instituições locais que lidam com patrimônio imaterial, turismo e cultura. A secretaria de Cultura definiu o lançamento do samba-enredo como “motivo de muito orgulho”, reforçando que “é a nossa cultura, nossa ancestralidade e a força da nossa gente ganhando o coração da Sapucaí”. Essa afirmação aponta para a necessidade de transformar o momento em legado efetivo para o estado.
Claro que essa conjunção de samba, floresta e identidade não é apenas uma celebração estética. Há reflexos sociais importantes: quando o Amapá ganha visibilidade, a autoestima das comunidades envolvidas se fortalece e há reforço da identidade territorial. Ao unir a história de resistência do marabaixo e do Amapá com a grandiosidade do Carnaval carioca, rompe-se em parte o isolamento simbólico de regiões amazônicas no mapa cultural nacional. Contudo, essa articulação traz consigo as responsabilidades de escuta, participação e respeito aos sujeitos da cultura representada — sobretudo quando se fala de povos tradicionais, indígenas e comunidades negras que historicamente foram marginalizados.
Em suma, o enredo da Mangueira para 2026 funciona como um caso paradigmático: ele toca turismo, economia e cultura num movimento integrado. Para o Amapá, se bem aproveitado, é uma chance de transformar visibilidade em desenvolvimento. Somente com estratégias de recepção, participação comunitária e promoção de roteiros turísticos sustentáveis essa homenagem poderá gerar resultados reais e duradouros — que não fiquem apenas nas luzes da avenida e no aplauso da Marquês de Sapucaí, mas cheguem à floresta, aos rios, às casas de mestres, às rodas de marabaixo e aos pequenos empreendimentos que fazem da Amazônia Negra um lugar de saber, resistência e beleza.
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