Sob o pôr do sol na Orla de Macapá, o aroma de café fresco se mistura com o som de histórias e canções. No aconchegante Pão da Vida Café, cenário de acolhimento oferecido pelos proprietários Joás Medeiros, Samara Medeiros e Emily Medeiros, o cantor e compositor Zé Miguel conversou sobre a sua carreira, os rumos da atual turnê e o papel transformador da música amazônica no Brasil.
A entrevista, gravada para a Revista People Brazil, Revista Circulando e Jornal Amazon News, revela um artista em plena atividade, que se move com a energia de quem leva a alma da floresta para além de suas fronteiras naturais.
Zé Miguel está na estrada com o projeto Amazônia das Artes, iniciativa do SESC que conecta artistas de diferentes regiões e promove a circulação cultural pelo país. “Esse é um projeto que abre a porta para uma interação que vai além da Amazônia, porque eu vou chegar até o Piauí”, conta o músico, empolgado.
A turnê começou em Macapá, seguiu para Belém, Boa Vista, Manaus e Palmas, cumprindo uma primeira etapa de apresentações intensas. A próxima fase, que começa em setembro, levará o artista para Cuiabá, São Luís (Maranhão), Teresina, Porto Velho e Rio Branco, encerrando um roteiro que abraça Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Embora o projeto Amazônia das Artes já tenha um histórico consolidado, esta é a primeira vez que Zé Miguel participa com um circuito tão extenso. A experiência, segundo ele, está sendo não apenas positiva, mas transformadora: “O show está muito bem produzido, é dinâmico e impactante. O público fica encantado e o retorno tem sido extremamente positivo”.
Clássicos e descobertas no repertório
O setlist da turnê é um encontro entre a memória afetiva e a novidade. Clássicos como Pérola Azulada, Vida Boa, Tarumã do Amadeu (gravada por Amadeu e composta por Osmar) e Meu Endereço marcam presença e despertam reconhecimento imediato nas plateias.
Mas a maior parte das canções apresentadas é inédita para o público de fora do Amapá — e justamente aí está o encanto. “Eles não conhecem a maioria das músicas, mas vão com muita curiosidade. Gostam de ouvir coisas novas, e isso é muito legal”, explica o artista. A cada cidade, um novo diálogo se estabelece, reafirmando a música como ponte cultural.
Os Gerações: parcerias que cruzam fronteiras musicais
Entre uma cidade e outra, Zé Miguel mantém a chama criativa acesa com o projeto Os Gerações, que une compositores experientes e novos talentos. A proposta é simples, mas poderosa: encontros que viram canções. “Às vezes eu conheço um poeta, um jovem compositor, e a gente troca ideias. Ele me entrega um poema, eu coloco melodia. Ou, ao contrário, envio uma letra para que ele crie a música. E gravamos”, explica.
Dessa troca já surgiram músicas como Acordei, parceria com Letícia Adriana, disponível no Spotify e demais plataformas digitais, e Nossa Matar, composta com Sohela Embraga, com videoclipe gravado em cenários do Amapá e publicado no YouTube e Instagram. “Eu estou sempre gravando. Tenho várias músicas já prontas e quero reunir parte delas em álbuns, junto com novas composições que estão chegando dessa turnê”, adianta.
Música e consciência ambiental: um compromisso de décadas
Muito antes de hashtags e conferências ambientais ganharem destaque, Zé Miguel já cantava sobre a preservação da Amazônia. No seu primeiro disco, Vida Boa, lançado antes mesmo da Eco-92, canções como Terra Ferida e Filhos do Rio já denunciavam a exploração desenfreada dos recursos naturais e alertavam para os impactos sobre as futuras gerações.
Hoje, essa trajetória dialoga com a expectativa em torno da COP30, que acontecerá em Belém. Existe um movimento — liderado por parceiros como André Siciliano e Biafra — para incluir Pérola Azulada na programação oficial do evento. Embora ainda não haja confirmação por parte do Estado do Pará, o artista mantém uma postura serena: “Se me convidarem, vou com muito prazer. Mas, se não acontecer, continuo fazendo o que sempre fiz: levar uma mensagem significativa que toque o coração das pessoas e provoque reflexão sobre o meio ambiente”.
Arte que resiste e floresce
O legado de Zé Miguel é construído a partir de uma coerência rara: fazer música com identidade, poesia e consciência social, sem abrir mão da inovação e da parceria com novas gerações. Sua turnê pelo projeto Amazônia das Artes é mais que uma série de shows — é um ato de resistência cultural, um gesto de amor à Amazônia e uma celebração da diversidade brasileira.
Enquanto o sol se despede no horizonte da Orla de Macapá, as palavras do artista ecoam como um manifesto: “Independente dos eventos, a nossa militância continua. Nós somos a existência”.
E assim, com voz e violão, Zé Miguel segue estrada afora, levando no peito a floresta, nos versos o rio, e nos palcos, a certeza de que a música pode, sim, atravessar fronteiras e transformar o mundo.
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